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 Desistência de unidades compradas na planta subiu 16% este ano. Com o orçamento apertado, clientes que tomaram financiamento renegociam contratos nos bancos

Por Raphaela Ribas, Geralda Doca, Pollyanna Brêtas e Roberta de Souza* — Rio e Brasília

Construção na Rua João Romariz, 122 em Ramos, Rio de Janeiro foto ROBERTO MOREYRA

No início do ano passado, o sonho da casa própria, aguçado pelo isolamento da pandemia, encontrava condições mais favoráveis que as atuais para se concretizar. A taxa básica de juros (Selic) no patamar histórico mais baixo (2% ao ano) favoreceu linhas de crédito imobiliário com juros em torno de 8% ao ano, e novas modalidades de crédito prometiam ampliar o acesso.

Além dos tradicionais financiamentos com juros fixos e Taxa Referencial (TR) em sistemas de amortização SAC ou Price, os bancos passaram a oferecer opções com juros pré-fixados atrelados à inflação medida pelo IPCA (que começou 2021 na casa dos 4,5% em 12 meses) ou ao rendimento da poupança. De lá para cá, tudo isso mudou.

A inflação disparou e forçou o Banco Central a elevar a Selic, que saltou para os atuais 13,75% anuais em pouco mais de um ano. A média dos juros fixos no crédito imobiliário acompanha a escalada e já está também em dois dígitos, em torno de 10%. Os mutuários que tomaram o risco do crédito atrelado ao IPCA ficaram em maus lençóis. O índice acumula alta de 10,07% nos últimos 12 meses.

Com a alta dos juros em meio ao quadro de desemprego e endividamento crescentes e inflação corroendo a renda, muita gente enfrenta agora dificuldades de pagar a prestação da casa própria. É crescente o número de compradores de imóveis na planta que desistem — e pedem o chamado distrato — e de mutuários que tentam renegociar contratos nos bancos, que estão flexíveis como nunca.

Os distratos subiram 16% na comparação entre o registrado de janeiro a maio deste ano e no mesmo período do ano passado, segundo a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), com dados do sistema Indicadores Abrainc/Fipe.

O setor de construção diz que o crescimento acompanha a alta das vendas nos últimos anos, mas agentes do mercado imobiliário e especialistas sustentam que os distratos não se intensificaram ainda mais por causa do esforço de bancos e construtoras para dar fôlego aos clientes e minimizar os danos.

Segundo Paulo Pôrto, professor de Negócios Imobiliários da FGV e diretor de Negócios da Arqos Incorporadora, sem esse freio, as taxas de juros dos bancos chegariam a 15% com o atual patamar da Selic:

Haveria muita inadimplência. Isso poderia causar uma bancarrota no mercado.

Imóvel prestes a ser entregue em Nova Iguaçu: distratos aumentaram — Foto: Roberto Moreyra

Imóvel prestes a ser entregue em Nova Iguaçu: distratos aumentaram — Foto: Roberto Moreyra

Inflação da construção

Pôrto explica que as vendas de imóveis seguem em alta puxadas pelas classes mais altas, que mantiveram renda e poupança na pandemia. Mas o aperto é grande na classe média e entre os compradores de imóveis populares, mais vulneráveis à queda de emprego e renda e à alta dos juros.

A nova lei do distrato, de 2018, aliviou um pouco os prejuízos para as construtoras, que antes tinham que devolver até 90% do valor pago pelos desistentes. Agora, o cliente só tem direito a receber 50% de volta. Ainda assim, o impacto é grande para a estrutura financeira das empresas do setor, que tendem a frear novos lançamentos.

Construção de  novo residencial no Rio — Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

Construção de novo residencial no Rio — Foto: Marcia Foletto / Agência O Globo

O segmento econômico, acima do Casa Verde Amarela (programa de habitação social do governo federal que substituiu o Minha Casa Minha Vida), assinou contratos com taxas de juros baixas e agora enfrenta altas. A portabilidade é inexequível — diz Pôrto. — Para evitar o distrato, as corporações estão se mexendo e segurando condições por um tempo para manter o cliente porque ter um ativo parado (o imóvel devolvido) não é bom.

De acordo com os presidentes da Abecip, José Ramos Rocha Neto, e da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), Cláudio Hermolin, a maior preocupação para o setor é a disparada dos custos da construção. A inflação do setor foi de 11,66% em 12 meses.

 Há um descolamento do valor do custo da construção de 11% acima da curva do preço de venda — diz Hermolin.

O militar carioca Edison Rinaldy da Silva, de 26 anos, é um dos que negocia distrato com a Caixa para reequilibrar a vida financeira depois que o financiamento de juro fixo e TR de um apartamento na planta passou a comprometer 40% de sua renda. Segundo ele, as taxas cobradas na fase de construção (seguro e juros com base no valor já executado da obra, segundo a Caixa) são hoje quatro vezes os da época da assinatura, em 2021.

 O valor não estava nos meus planos. A taxa de obra já é maior que a própria parcela referente ao imóvel. Passei a enfrentar dificuldades financeiras — diz Silva.

Na incorporadora Start Investimentos, de junho para julho, houve aumento de 10% nos pedidos para repactuar prazos e diluir valores nos contratos, diz o CEO Eric Labes:

 Tento ajudar como é possível, para não afetar o fluxo (financeiro da construtora). As pessoas querem pagar. O distrato é realmente quando não conseguem, como na perda do emprego.

    Revisões discretas

    Os bancos também estão mais abertos à renegociação, porém de forma discreta. Na Caixa, líder no mercado imobiliário, 120 mil mutuários já fecharam acordo para pagar 75% do valor das prestações por seis meses. Essa possibilidade foi aberta em março, quando a inadimplência atingiu 2,35% da carteira, e vai até dezembro deste ano.

    Prédio da Caixa Econômica Federal em Brasília — Foto: Divulgação/Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Prédio da Caixa Econômica Federal em Brasília — Foto: Divulgação/Marcelo Camargo/Agência Brasil

    Outros 1.500 clientes que tinham financiamento atrelado à inflação, modalidade lançada em 2020, migraram para a correção pela poupança para deter o aumento do saldo devedor com escalada do IPCA. Mas o banco optou por não dar publicidade às possibilidades de renegociação, deixando que os tomadores tomassem a iniciativa.

     Claro que os bancos não fazem campanha, mas estão sendo muito flexíveis em relação às dívidas. A inadimplência não é boa para eles, reflete em perda no balanço — avalia Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac).

    Nos casos de redução temporária da prestação, o cliente da Caixa paga uma parte da dívida principal e pequena parcela dos juros para evitar a caracterização de rolagem de dívida. O valor da prestação sobe um pouco, mas fica diluído ao longo do contrato, dando um alívio imediato no bolso, explicou um técnico da Caixa.

    No início da pandemia, Thiago Tavares da Silva, de 33 anos, ficou desempregado e enfrentou problemas para pagar o financiamento de seu apartamento, que foi na modalidade de juro fixo. Com três parcelas em atraso e um saldo devedor de R$ 145 mil, ele pediu uma revisão e aceitou uma proposta da Caixa. Aliviou a prestação, mas o saldo devedor subiu para R$ 155 mil, afirma. Para não perder o apartamento, voltou para a casa dos pais e alugou o imóvel para pagar as parcelas.

    Na época, eu não tinha noção dos juros que seriam. Cheguei a pensar em desistir, mas sempre foi meu sonho ter uma casa própria — relata.

    O Banco do Brasil criou até um canal para iniciar renegociações por meio do WhatsApp. A instituição disse que o percentual de renegociação mensal é de 0,93% da carteira total ativa e que altera a taxa de juros em alguns casos.

    O Itaú informou que busca ajudar os clientes a manter a prestação em dia com soluções como incorporação de parcelas atrasadas ao saldo devedor, aumento do prazo do contrato e incentivo à utilização do FGTS para amortização, com redução das parcelas a vencer, nos casos elegíveis.

    Para os inadimplentes, o banco pode negociar uma revisão das penalidades por atraso. Clientes de outros bancos podem simular portabilidade no site do banco.

    No Santander, o cliente pode obter seis meses de carência e estender o prazo contratual, respeitando os limites pré-estabelecidos da linha de crédito. Em caso de atraso de até 60 dias, é possível diluir as parcelas ao longo do contrato. O Bradesco informou que está aberto à negociação, mas não deu detalhes das opções.

    A iniciativa mais adequada quando se tem dificuldade de pagar a prestação é mesmo procurar a instituição financeira e tentar renegociar — recomenda o consultor do mercado imobiliário José Urbano Duarte, lembrando que inadimplentes têm até o fim de outubro proteção contra ações de despejo, criada na pandemia e estendida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

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