Grupo em que empresários defenderam golpe em caso de vitória de Lula também foi palco para desinformação e preconceitos
Por-Guilherme Amado/Bruna Lima/Edoardo
A disseminação de fake news é, para alguns, parte do método
usado para apoiar Bolsonaro. O empresário Marco Aurélio Raymundo, o Morongo,
dono das lojas de surfwear Mormaii, disse no grupo que “guerra de informação é
uma das armas mais poderosas”. Ele afirma com frequência que há uma confronto
em curso no país contra os adversários do presidente. “Em todas as guerras [as
fake news] são de importância estratégica!!!! Eles usam direto. Nós apenas
estamos olhando”, escreveu.
Morongo foi repreendido por um jornalista que está no grupo e
volta e meia faz ponderações aos mais radicais. O dono da Mormaii saiu-se com
uma defesa enfática da legitimidade de espalhar desinformação. “Se não precisar
mentiras… ótimo!!!! Mas se precisar para vencer a guerra é aceitável. Muito
pior é perder a guerra!!!! Esta mídia e políticos em geral são todos mentirosos
profissionais! O Bolsonaro é o esteio da verdade… Isso é indiscutível e muito
nobre. Mas os soldados rasos não precisam ou não podem ter a mesma nobreza
exatamente porque estão lutando corpo a corpo. Dedo no olho, pontapé no saco.
Também não apoio eticamente a mentira. Óbvio. Mas não posso no momento condenar
quem usa de todas as armas para lutar contra um mal muito, muito. Muito
maior!!! É GUERRA!!!!”, esbravejou.
Uma das mentiras compartilhadas no grupo tratava do
desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, assassinados no Vale do
Javari, na Amazônia. Marconi Souza, dono da Valeshop, empresa de cartões de
benefícios para empresas, compartilhou, no dia 13 de junho, um texto que
culpava a dupla por não ter autorização da Funai para transitar na região. “O
inglês Dom Philips… este aí tem uma outra história, que é a ponta de um iceberg
que a esquerda mundial, o PT, PSOL e a mídia farão de tudo para desviar a
atenção, pois foi um tiro no pé, tal qual o caso Marielle”, dizia o texto, que
Marconi Souza encaminhou admitindo não saber se era verdade.
O tom conspiratório prosseguia na mensagem: “Ele [Phillips]
fazia uma reportagem, sem autorização legal da Funai, Ibama e sem o
conhecimento do governo estadual e federal em reservas indígenas. Ele trabalha
para uma ‘Fundação Internacional de Jornalistas Engajado’, chamada Fundação
Alicia Patterson. Procurem no site. Buscando quem financia estas reportagens,
que oferece bolsas, etc… eis que encontrei.. ele mesmo Bill Gates e outros
gigantes que querem controlar a mídia e o mundo”. Em reposta ao texto, Morongo,
da Mormaii, debochou: “karma existe…”.
Outra adversária recorrente do grupo é a TV Globo. O
ex-piloto Nelson Piquet, motorista de Jair Bolsonaro no Sete de Setembro do ano
passado, compartilhou, no dia 20 de junho, um texto defendendo que “os
transmissores da Globo precisam ser lacrados urgentemente em todo o Brasil”. “A
guerra ao presidente do Brasil já não é mais velada, tornou-se escancarada e
desproporcional, levando a uma inversão de papéis que atenta contra a
democracia”, dizia a mensagem compartilhada por ele e tarjada pelo WhatsApp com
o selo “Encaminhada com frequência”. Piquet também já havia compartilhado no
grupo o vídeo com ataques ao STF que geraram a prisão do autor.
No geral, liberdade de imprensa é um princípio pouco caro ao
grupo. Emílio Dalçoquio, dono da transportadora Dalçoquio, a maior de Santa
Catarina e que ostenta uma frota de centenas de caminhões, escreveu, em 25 de
maio, contra a jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo: “Nojenta, como
todo apoiador de bandidos vítimas da sociedade. (…) Hipócrita traidora”. O
empreiteiro Meyer Nigri, dono da Tecnisa e bolsonarista que gosta de influir em
nomeações no governo, acompanhou Dalçoquio nas ofensas à colunista. “Ela é uma
fdp!”, disse. O usineiro José Pessoa arrematou a conversa: “essa feladaputa
(sic) iria festejar se tivesse policiais mortos!!!! Bandida!!!!”.
Em outra ocasião, em 28 de maio, Luciano Hang, dono da Havan,
tachou um jornalista especializado na cobertura do mercado financeiro de
“esquerdista caviar”. “Este portal e seu proprietário são contra o presidente”,
disse. O economista Daniel Fuks, criador do grupo, escreveu em seguida: “Eu o
acho um bom jornalista e tinha um viés liberal. Em 2018, eu achei que ele ficou
entre o JB (por causa do PG) e do Amoedo (por causa do Gustavo Franco)”,
afirmou, passando a tecer considerações sobre a orientação sexual do
jornalista.
A vida sexual de terceiros parece importar para Fuks. Lia-se
em uma mensagem compartilhada por ele no dia 30 de abril: “Vendedor gay chama a
PM porque um cliente falou ‘querido’, e o viado (sic) queria que fosse
‘querida’, em seguida na presença dos PMs queria o flagrante porque o cliente
chamou o viado de ‘cara’. Enquanto isso, morre mais um baleado por bandido numa
tentativa de assalto em outro local da cidade”.
O empresário José Koury, dono do shopping Barra World, no Rio
de Janeiro, também entrou na discussão sobre a reportagem. “Graças ao STF, que
criou ilegalmente o crime inexistente de homofobia. Precisa eleger um congresso
de grande maioria de direita e acabar com esse absurdo, enquanto isso PM tem
que estudar VIADOLOGIA para ir resolvendo essas ocorrências”, dizia o texto,
compartilhado em 29 de abril.
Alguns participantes do grupo também manifestam posturas
preconceituosas com homossexuais. Às 20h51 do dia 24 de abril, Paulo Perlott,
que se apresenta no Linkedin como diretor de Marketing e Vendas da Gerdau, mas,
segundo a companhia, deixou os quadros da empresa há seis anos, referiu-se ao
ex-governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite como “Leite Moça gaúcha”. Perlott
afirma que ele é da “mesma escola” de “aspirações totalitárias” que o
primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. “Exato”, respondeu Carlos Molina,
dono da empresa de auditoria Polaris. Leite assumiu ser homossexual em julho do
ano passado.
O ex-governador gaúcho é alvo constante de homofobia no
grupo. Uma postagem encaminhada pelo empresário André Tissot, dono do Grupo
Sierra, de venda de móveis de luxo, afirmava que “a criminalidade hoje está tão
perigosa que as pessoas já andam até de mãos dadas com seus seguranças”. Em
seguida, Tissot enviou, em deboche, uma foto em que Leite parecia segurar a mão
de outro homem. Não é possível saber se a foto é uma montagem. O Grupo Sierra
tem sede em Gramado, no Rio Grande do Sul.
O empreiteiro Rodrigo Nogueira, da Ecap Engenharia,
incorporadora imobiliária nascida em Belo Horizonte, mas hoje atuante em
Brasília, também deu sua contribuição homofóbica. No dia 10 de julho, às 7h43
da manhã, Nogueira enviou uma foto criticando a campanha publicitária de Dia
dos Namorados das Lojas Americanas, que celebrou relações homoafetivas. O
usineiro José Pessoa, dono da empresa agrícola que leva seu nome, respondeu
dizendo que iria boicotar as Lojas Americanas. “Já não comprava nessa merda
mesmo, vai pra junto do Magazine Luiza na minha galeria”, afirmou, referindo-se
a outra varejista que defende a diversidade em sua comunicação.
O Grupo José Pessoa foi alvo, em diversas ocasiões, de ações contra trabalho escravo em seus canaviais. Em 2010, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro libertou 122 pessoas que trabalhavam para o empresário em situações análogas à escravidão. Segundo reportagem do site de jornalismo investigativo Repórter Brasil, em 2010, 1.468 pessoas foram libertadas de canaviais vinculados à empresa em diferentes estados do país: Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro.
No dia 26 de junho, após Carlos Molina contar sobre um
assalto que sofreu, o empresário José Koury propôs, à 1h24 da manhã, montar
“força-tarefa com nossos companheiros donos de jornais do grupo, e alguns
políticos e empresários de peso pra iniciarmos uma campanha maciça para
fazermos as mudanças no Código Penal”. Koury disse ainda que a “força-tarefa”
tinha que ser “sem mimis, porrada mesmo [sic]” e perguntou se podia contar com
os empresários de mídia presentes no grupo.
Quando o assunto era a pandemia de Covid-19, as vacinas se
tornavam os alvos dos ataques dos empresários. Em 17 de maio, Luciano Hang
listou uma série de efeitos colaterais falsamente atribuídos ao imunizante da
Pfizer, como embolia na veia jugular e espuma na boca. “Casos cardiológicos
aumentaram”, dizia ele. Morongo, apesar de ter formação em medicina, encaminhou
texto em 24 de maio dizendo que vacinas eram “venenosas”. Posteriormente, ele
afirmou que tinha orgulho de sua família não ter nenhum integrante vacinado
contra a Covid-19. A discussão sobre o tema voltaria à tona em junho. “Tomei
duas doses, arrependimento!!! Não tomo a terceira nem por 1 bilhão!!! De
dólares!! Kkk”, disse Afrânio Barreira, dono da rede Coco Bambu.
No repertório da pauta de costumes dos empresários do grupo
está também a defesa do armamento da população. No dia 7 de agosto, às 12h16,
Emílio Dalçoquio compartilhou vídeo no grupo em que ele aparece atirando, o que
é descrito pelo empresário como um ato de “liberdade”.
Dono da transportadora catarinense que leva o nome de sua
família, Dolçoquio apoiou, em 2018, o movimento dos caminhoneiros, que, entre
outras bandeiras, defendia uma intervenção militar. Naquela época, o empresário
já manifestava apoio a Jair Bolsonaro, então pré-candidato à Presidência pelo
PSL. No vídeo compartilhado no grupo, Dalçoquio faz elogios a Marcos Pollon,
presidente da Proarmas, organização que defende que a sociedade brasileira se
arme. Pollon é amigo de Eduardo Bolsonaro e é candidato à Câmara dos Deputados.
Em resposta, Koury disse que leva seu filho de 13 anos a clubes de tiro quando vão aos Estados Unidos e que frequentam um stand de tiro na Barra da Tijuca. “Acho muito importante adolescentes aprenderem a manejar armas com responsabilidade e segurança”, disse o dono do Barra World.
A violência também sempre foi uma marca no linguajar do
grupo. Luciano Hang, que foi às redes sociais nesta quinta-feira (18/8) para
sugerir que era falsa uma mensagem publicada na reportagem de ontem sobre ele,
disparou certa vez contra o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo da Rua
de São Paulo, criticando o trabalho do religioso com pessoas em situação de
rua. Hang disse que padres que auxiliam pessoas pobres estão errados, e que a
Igreja é “cúmplice das mazelas do PT”.
Conforme a coluna mostrou em 31 de maio, a conversa começou
quando outro integrante compartilhou uma reportagem do site Brazil Journal,
publicada no sábado (28/5), intitulada “Na São Paulo gélida, um padre e a
(verdadeira) mão de Deus”. Uma foto de Lancellotti ilustra o texto.
Hang escreveu: “É da turma do Lula. Hipocrisia pura. Temos
que ensinar a pescar, e não dar o peixe. Cada dia que passa é mais malandro
vivendo nas costas de quem trabalha”, acrescentando: “Quem defende bandido,
bandido é”.
Para Hang, padres envolvidos em obras sociais, como
Lancellotti, não estariam do lado certo. “Não podemos dar moleza para essa
turma só porque são padres. Ou ficam do lado certo ou devemos cobrar coerência
do que eles pregam”, prosseguiu.
O dono das lojas Havan afirmou ainda que a Igreja Católica
ajudou o PT e seria “cúmplice” dos governos petistas. “A Igreja Católica é
cúmplice das mazelas do PT. Foram os fiadores de tudo o que aconteceu. Não
podemos generalizar, mas ajudaram bastante o PT a chegar ao poder.”
Em maio, quando a coluna publicou os ataques dele a
Lancelotti, Hang entrou em contato com a coluna para desdizer o que havia dito.
Afirmou que sua “crítica” ao padre Lancelotti é pelo que chamou de “doutrinação
comunista”, que, segundo ele, o padre faria. Hang disse que ele próprio,
católico, também ajuda obras sociais da Igreja, com doações em dinheiro e em
alimentos. “Na semana passada, comprei R$ 10 mil em fichas de cachorros-quentes
na festa da igreja de Azambuja”, afirmou, referindo-se à compra que fez na
festa da igreja da região catarinense e doou para funcionários da Havan.
Procurado ontem, o empresário não respondeu à coluna. Sobre a
mensagem que ele sugeriu não existir, em postagem nesta quinta-feira no
Instagram, o vídeo ao fim desta reportagem talvez o ajude a relembrar.
A coluna procurou todos os empresários citados na reportagem.
José Koury e Emílio Dalçoquio não quiseram comentar. Morongo afirmou que não
apoia “qualquer ato ilegítimo, ilegal ou violento” e que se expressava com
figuras de linguagem no grupo. Os demais não retornaram o contato. O espaço
está aberto para manifestações.