Recomposição do sistema de proteção à floresta levará tempo, mas embargos fundiários e mudança de discurso podem ter efeito de curto prazo, dizem especialistas (Por Rafael Garcia)
Diante alta no desmatamento da Amazônia, cientistas, dizem
que reverter a situação é algo que levará tempo, mas algumas medidas podem ter
efeito de curto prazo. Entre as providências apontadas como necessárias estão,
principalmente, a reversão de decretos que afrouxaram a fiscalização e a
retomada de um programa antidesmate amplo.
Reverter a situação levará tempo, dizem, mas algumas medidas
podem ter efeito a curto prazo. Entre providências apontadas como necessárias
estão, principalmente, a reversão de decretos que afrouxaram a fiscalização e a
retomada de um programa antidesmate amplo.
LEIA TAMBÉM: Satélites registram 1.476 km² de desmatamento em julho na Amazônia
Uma das demandas dos grupos ambientalistas é o que se
apelidou de "revogaço": a eventual revogação de uma série de decretos
e normas do poder executivo que dificultaram a aplicação de multas e o combate
a crimes ambientais.
Outra palavra resgatada pelos especialistas é a sigla
"PPCDAm", do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento
na Amazônia, programa apontado como responsável pela queda acentuada no
desmatamento entre 2004 e 2014.
Um revogaço no setor ambiental não seria uma medida propriamente dita, mas é obrigação para qualquer governo democrático que assuma o poder. Existem mudanças que foram feitas e precisam ser corrigidas para voltar uma situação de gestão viável — diz o biólogo e especialista em gestão ambiental João Paulo Capobianco, um dos arquitetos do PPCDAm quando era secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O número de medidas que precisam ser revistas, segundo
ambientalistas, é grande, mas a maioria são normas infralegais (que não
requerem aprovação no Congresso), criadas durante a gestão do ex-ministro
Ricardo Salles. Um levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc) no ano passado listou a emissão de 524 decisões como portarias e
instruções normativas que atravancam a proteção ambiental, Dessas 48 são
classificadas como de dano "alto" ou "muito alto".
Entre elas está a instrução normativa conjunta número 1
envolvendo MMA, Ibama e ICMBio, de janeiro de 2020. A medida permitiu a
conversão de multas ambientais em "serviços" prestados pelo autuado,
sem regulamentação técnica, criando brecha para a impunidade. Outra, datada do
mesmo dia, mudou o rito de processo das multas, submetendo julgamentos a
funcionários não concursados com cargos de indicação política.
Embargos
Os processos de multa, porém, são normalmente mais lentos, e
especialistas listam medidas que teriam efeito mais prático no desmate ilegal
logo de cara.
Um dos primeiros sinais a serem dados seria um processo remoto de embargos de áreas desmatadas, em larga escala — diz o engenheiro florestal Tasso Azevedo, do projeto MapBiomas. — Você notifica o proprietário logo depois de sair o laudo mostrando as imagens de satélite antes e depois, e se ele não apresenta autorização, o embargo é imediato. Entre as consequências estão não ter acesso a financiamento e não poder vender produto.
Azevedo afirma também que o CAR (Cadastro Ambiental Rural),
que começou a ser implementado após a aprovação do código florestal de 2012,
permite corrigir de imediato tentativas grosseiras de grilagem para
desmatamento. Um exemplo seria automatizar a negação de registra para
propriedades privadas em sobreposição com terras indígenas e unidades de
conservação.
Também é preciso abrir
publicamente os dados do CAR, incluindo o nome de quem registrou as áreas.
Dados imobiliários no Brasil são abertos, e não tem por que os dados do CAR não
serem — diz o pesquisador, argumentando que a transparência fortalece a
fiscalização.
Discurso
Para o geoecólogo Britaldo Soares-Filho, da UFMG, é importante que a próxima gestão do governo federal dê logo sinais de que não aceita a ideia de que atividades ligadas à degradação ambiental são forma válida de de desenvolvimento econômico. Quando o risco de punição é percebido como baixo é que o desmatador investe na derrubada em áreas ilegais, explica.
Hoje o que existe é quase um incentivo de governo para a
prática da criminalidade. Os desmatadores, garimpeiros, grileiros e madeireiros
ilegais estão se sentindo empoderados pelo discurso oficial diz.
A primeira coisa é chegar com um discurso claro de que o
crime ambiental vai ser punido de acordo.
Eu tenho recebido documentos das campanhas. Pedem para que eu
faça sugestões e revisões, e eu tenho feito para todos os que pedem — diz
Capobianco.
A Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, da qual o
biólogo é integrante, está elaborando suas propostas de governo, a exemplo de
ONGs e institutos de pesquisa da área. Segundo ele, não falta respaldo técnico
para candidatos elaborarem propostas coerentes.
Segundo Capobianco, um dos trunfos que o PPCDAm possuía nos
anos iniciais é que o programa era gerido pela Casa Civil, e sua proximidade
com a Presidência da República facilitava a coordenação de medidas envolvendo
vários ministérios. Essa posição privilegiada foi alterada ainda no governo
Dilma, antes de o desmate começar a subir de novo, em 2016.
Contraponto
Apesar de o patamar de desmate continuar alto neste ano, o
MMA destaca que houve alguma queda.
"Os dados do Deter relativos a julho para a região da
Amazônia indicam o menor índice para o mês desde 2018. O acumulado dos últimos
12 meses aponta redução de 2,16%", informou o ministério em mensagem.
O órgão destaca entre seus últimos comunicados públicos que o
número de queimadas em todo o país caiu 3,5% no primeiro semestre em relação ao
ano mesmo período do ano passado. Como política nova para Amazônia, o MMA
informa o aporte de uma verba de R$ 47,2 milhões para um programa de
restauração florestal no período 2022-2023.